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No dia internacional do livro infantil, uma história para a quarentena: Júlia Birrenta

Júlia birrenta

Júlia pára!

Júlia não faças isso!

Júlia está quieta!

Júlia, outra vez!

Júliaaaaaa!!!!!

A Júlia tem 4 anos. Uns 4 anos maduros. Maduros? Sim, maduros. Quero dizer… Crescidos. É observadora, indaga tudo o que a rodeia, com os olhos redondos que nem bolas de snooker. De nariz empinado, olha para um lado, olha para o outro, sempre curiosa e em jeito de descoberta. Resolve problemas sozinha, como pedir as braçadeiras quando vai para a piscina, vestir o vestido da praia e arrumar os livros por ordem. Costuma responder quando lhe fazem perguntas, mesmo que a resposta seja: “Não sei.” É uma Júlia Madura para a idade que tem, costuma ouvir.

Há 4 meses para cá, mudaram de casa, a mãe foi convidada para ir trabalhar para um sítio que ela gosta muito. A Júlia acha mesmo que é o sítio preferido da mãe porque - fica lá tantoooo diaaaa, costuma dizer a Júlia, enquanto abre os olhos, para explicar o tanto.

Foram os 4, a mãe do novo trabalho, o pai com o trabalho antigo que o faz estar sempre ao computador a escrever palavras, o mano pequeno da Júlia, o Faustino e claro, a Júlia dos olhos redondos.

E a tartaruga Xica??? Ah, claro. E a tartaruga Xica, com quem a Júlia conversa e bebe chá.

Há 4 meses também a Júlia arranjou um novo trabalho… Dar trabalho. Dar trabalho? Uma rapariga tão Madura? Há 4 meses, o novo trabalho da Júlia é… Dar trabalho. Suspiram os pais entre um telefonema e a reunião no trabalho.

Mas afinal o que é dar trabalho? Dar trabalho para os pais é fazer birras, é fazer asneiras e disparates. E depois ouvirmos ralhetes dos pais.

Um dia, uma birra. Outro dia, um disparate. No seguinte, uma asneirola e à noite, mais uma birra.

A Júlia Madura passou a ser a Júlia birrenta. Que grande chatice.

BIRRA 1

Há um mês, a Júlia decidiu que queria ser actriz, daquelas que aparecem nos filmes, na televisão, mesmo a sério. Queria aparecer na televisão, ser uma princesa que vivia num castelo encantado. Mas queria mesmo e naquele momento, não conseguia esperar. E foi assim que a Júlia fez um grande espectáculo, digno de filme de televisão, mais um bocadinho entrava mesmo lá para dentro. Levantou-se do chão, 10 passinhos até ao ecrã e começou a tentar subir para cima da televisão. A Júlia queria ir lá para dentro. Pois que, catrapuz! A televisão caiu do móvel, direitinha para o chão. Veio o pai a correr, aflito com o barulho… E… - Oh Júlia, pára! Oh Júlia o que fizeste? Oh Júlia, já para o teu quarto. A queda foi pequena e a televisão lá se safou, sorte o móvel ser baixinho.

E a Júlia fez uma grande birra, com o susto e com o ralhete do pai. Sentiu-se culpada, mal por ter feito uma asneira.

BIRRA 2

Dois meses antes, a Júlia decidiu que não queria tomar banho. Não precisava. Tinha tomado no dia antes e o tempo era sempre tão curto para brincar, para quê gastar no banho. A mãe, enquanto escrevia um email, sem tirar os olhos do ecrã, chamou-a uma vez: - Júlia vai tomar banho., duas vezes: - Júlia, hora do banho. E três e quatro e até cinco. A mãe terminou o email e a Júlia continuava sem aparecer, sempre com um: “Já vou.” Eram já 8 e meia e o banho ainda não estava sequer perto e o jantar ainda por fazer. A mãe já irritada, chamou a Júlia, com a sobrancelha franzida, a voz ligeiramente mais alta. A Júlia continuou a brincar e não foi. Acabou a chorar, no chão, sem o banho tomado, sem a brincadeira divertida, nem o jantar pronto. Mas que se passa, pensava a mãe da Júlia. – A Júlia sempre foi tão madura… Que se passa…

E a Júlia tomou banho, já tarde e com uma grande birra.

BIRRA 3

E três meses antes, a Júlia não queria ir para a escola. A Júlia gosta tanto da escola, em casa ninguém compreendia o que se passava. E a mãe a correr para não chegar atrasada ao trabalho novo e o pai a tentar que a Júlia comesse os cereais e parasse de chorar e o Faustino, ainda por vestir. Que manhã. E a Júlia chorava, não quero ir para a escola, quero ficar em casa, quero ficar com o pai e com a mãe. E chorava. E não comia e o Faustino por vestir, quase a ir de pijama para a rua. E com o tempo a fugir, o pai a transpirar: - Oh Júlia acabou, vamos para a escola já. Oh Júlia, outra vez uma birra…Oh Júlia já chega.

E pelo meio, BIRRAS, BIRRINHAS E BIRRICES - taaaaaannntas

E a Júlia rapidamente se tornou a Júlia birrenta. As asneiras, as birras não paravam de atacar, pareciam quase mais fortes que a Júlia. Não podia ser, a Júlia era tão forte, alguma coisa se passava.

Foram três meses de taaannntas birras no restaurante, de disparates no supermercado, de fúria com a mãe, de coisas feias que a Júlia não conseguia deixar de dizer, de lágrimas e de dificuldade para cumprir regras que antes pareciam tão fáceis.

Os pais não percebiam e o trabalho novo, as reuniões, as tarefas de casa e a vida tão ocupada não os deixava perceber. Afinal o que se passava com a Júlia? De Madura a birrenta, em 4 meses?

Os pais cansados, ficaram em casa a descansar um dia, um dia sem trabalhar, sem sequer olhar para o computador. Acordaram os manos Júlia e Faustino, houve miminhos e cócegas na cama dos pais: - Iupiii! Dizia a Júlia enquanto ria e rebolava na cama dos pais. Tomaram um pequeno almoço bem grande e com muita conversa. O Faustino ficou na casa dos avós e os pais foram juntos levar a Júlia à escola e às cinco horas foram buscá-la. A Júlia não podia acreditar. Correu para o abraço dos pais e saltou com um sorriso graaannddeee. Chegaram a casa e brincaram no tapete, como a Júlia gostava, a tomar chá com a tartaruga Xica. Mas desta vez tinham convidados para o chá: os pais. E sem computadores, nem telefonemas, nem pressas! O Faustino nesse dia ficou para o jantar na casa dos avós. Perto das 7 horas e meia uma banhoca, como a Júlia gostava, lá ía ela pelo corredor fora às cavalitas do pai e no banho a espuma servia para fazer penteados: - Fecha os olhos pai, fecha. Agora abre! Xanã, o meu penteado!

Jantaram e à noite houve até tempo para história e para ouvir música calminha. A Júlia adormeceu, depois do beijinho da mãe e do beijinho do pai, com um sorriso maduro. Com o sorriso da Júlia Madura.

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