O meu filho não vibra de alegria. E eu vibro?
Mais importante é "sentir" o meu olhar de miúdo a brilhar. É sentir o coração a bater mais forte, porque depois de um dia de escola, vou poder ver o filme com o meu pai, sem falarmos em notas, nem em trabalhos. Só porque nos sabe tão bem preguiçar no sofá, sem mais nada. O mais importante é "sentir-me" a sorrir por dentro porque a minha mãe se espantou com os desenhos que agora gosto de fazer. Sentir entusiasmo porque depois dos trabalhos-de-casa vou poder surpreendê-la com mais um destes desenhos que inventei e que ela está sempre tão curiosa para ver. De manhã acordar e saber que a escola é importante, faz parte da minha vida, mas para além da escola, há muito mais com que posso preocupar-me e ocupar-me: a nova colecção que gostava mesmo de terminar, o almoço com os primos na cozinha sem adultos, a nova coreografia que estamos a inventar na aula de dança e a nova música que estou a inventar com a minha amiga no meu quarto. Sentir que me apetece continuar a viver e que a vida é uma coisa engraçada, desafiante, divertida aos 10 anos e que continuará a ser mesmo quando passarem muitos anos e for adulto. Sentir que há um mundo de possibilidades à minha frente. Mais importante é "sentir" o meu olhar a brilhar, "sentir" o meu coração a bater de entusiasmo com coisas pequenas mas que nos deixam logo em pulguinhas a nós miúdos, "sentir" a vontade de viver e "sentir" vontade de me imaginar de 1001 formas quando crescer aos 15, aos 18 e aos 30 anos e ver um mundo de possibilidades. "Sentir" que me orgulho dos desenhos que faço, mesmo quando a Matemática não consigo passar do 60%. E acima de tudo "sentir" o olhar dos meus pais a brilhar porque me vêem brilhante, feliz e entusiasmado, mesmo quando só consegui ter um 60%. Acima de tudo "sentir" que o olhar dos meus pais também brilham quando vamos todos para a mesa, para a galhofa porque o dia difícil de escola e trabalho já lá vai. Agora estamos em casa.
Rita Castanheira Alves